A voz da África tradicional, quando soa, de imediato nos encanta, emerge vibrante em meio ao intricado emaranhado de símbolos e ritos que sustentam o rico universo espiritual do povo africano. Nesta esfera orbitam as palavras e nomes, em torno das imagens dos mitos da criação, dos deuses, dos ancestrais fundadores dos povos, detentores dos conhecimentos esotéricos, que sobrevivem graças à transmissão direta entre as gerações, que desde os tempos remotos ultrapassaram as dimensões temporais e ligaram as épocas. São segredos vivos, portanto, vozes ecoando nos discípulos de mestres ancestrais, vivos em homens que se mantém dedicados no cumprimento de um destino cósmico, no qual, são a um só tempo os guardiões dos mistérios ancestrais e a própria ancestralidade futura. Sendo os herdeiros deste saber, estes homens são, já em vida, membros de uma comunidade de espíritos orientadores das futuras gerações, constituindo junto destes e de todos os demais elementos da cultura, uma só totalidade, na qual se forja a identidade africana.
O que é possível saber sobre a África advém da compreensão dessa realidade integrada, da diluição das dimensões espaço tempo, da liberdade de comunicação entre as esferas material e espiritual, do permanente vínculo entre o presente e o passado transformados nos objetos num só amalgama. Estamos assim, enquanto pesquisadores, diante de uma condição inexorável: para ascender à esta ancestralidade africana temos antes de deixar de ser interpretes para apenas vir a poder “ouvi-la”.
Assim, só quando imbuídos de um olhar liberto de preconceitos, é que entramos no universo dessa produção material, só quando, antes de os consideramos uma materialização similar à nossa noção de arte, encontramos, justamente no silêncio de uma máscara ou de uma cabeça em terracota, a mesma eloqüência da história contada à luz do fogo por um destes anciãos. Podemos então, nesta condição, apreender imediatamente da visão, já não da máscara, mas do ente em si, a sua incrível força expressiva, e finalmente, sermos envolvidos por sua força vital, que nos lança num estranhamento quanto à própria natureza dessa observação, e da que é a essência do objeto.